quarta-feira, 19 de abril de 2017

Ela embaralha-se entre os lençóis buscando a pele dele, entranha-se nos seus braços que a afagam de volta: bom dia. Compreende entre lençóis o afeto de plástico, contorce-se em solidão. Nos seus braços. Os braços que podem afagar outro ser, pouco importa. E se pouco importa, por que ainda está lá e não tragando sua confusão com tabaco no outro lado da sala de estar? 
Ela não diz que não entende, ela dá gargalhadas e pergunta do final de semana, espera respostas em vez de procurá-las, afinal como foi o fim de semana se não com antigo amado de plástico pelo qual tragou sua alma até restar as incertezas da falta de memória? Ela não entende. Sente muito a cada expiração de plástico, olha para as luzes da noite passada, olha para as luzes da noite do fim, deixa uma lágrima escorrer, tocando a pele do seu amado que continua em sono profundo, tão sereno. Recorda-se do quanto sempre foi sereno, para ela foram sempre bombas atômicas, correndo de casa para o lar, fugindo-fugindo. Ela desfaz os braços: até logo. Resta pouco da nicotina passada, levanta-se em dor de cabeça, na ressaca que um dia jurou celebrar a ele, deseja ter beijado outros lábios, não os dele não-não. Ela observa as pessoas dormindo, trocando olhares com as cinzas do cigarro barato, nota as ramificações e faz a comparação chula com sua vida, seu amado a procura entre edredons e falha ainda de cílios juntos, aconchega-se no travesseiro. O sol faz-se presente no cômodo, trazendo com ele o calor, ela se estremece em frio causado pela ansiedade do futuro: veremos depois. 
Esperou meses para dizer aquelas palavras pela primeira vez, queria que fosse especial, em um dia pleno, mas foi com a pele matinal sem cobertura ao lado da geladeira, a voz saiu embargada trazendo o medo nas palavras, reticências inundavam os espaços: eu te amo. E ama, ardentemente nas dores do passado de ilusões, ela não entende as palavras seguintes e pergunta do café mergulhando-se em vergonha. Sua face estampa-se de confusão na mesa com quase desconhecidos, vai embora. 
Veste-se da carne do seu amado, dessa vez no quarto confortável que nunca se cansou de contar suas histórias e esperar respostas, finalmente as obteve, tornou-se estática, notou que lá no fundo talvez nem gostasse tanto delas, sua mente vaga pelas centenas de dizeres e responde: sim.

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